Levantamento da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) alerta para o uso inadequado do medicamento e o risco de resistência bacteriana
Um estudo mostrou que um terço dos brasileiros usa antibióticos por conta própria, ou seja, sem prescrição médica. Além disso, 24,5% fazem esse uso uma ou mais vezes por ano. Os achados são de levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), divulgado nesta terça-feira (19).
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabelece que a venda desse tipo de medicamento só pode ser feita mediante receita médica. No entanto, segundo a pesquisa, as farmácias de bairro, com estrutura menor e as que não fazem parte das grandes redes de drogaria, compõem os principais locais citados pelos respondentes para driblar a prescrição médica, representando 27% dos acessos a antibióticos sem prescrição.
A dor de garganta (62,4%) é o principal motivo pelo qual as pessoas se medicam com antibiótico. Resfriado e gripe (26,8%), sinusite (18,8%), ardência ao urinar e tosse (14,1%) são outros quadros que levam à automedicação. Também apareceram sintomas como dor muscular (13,4%) e dor de cabeça (12,8%), que não estão necessariamente relacionados a uma infecção bacteriana, entre os motivos para o uso do antibiótico.
A pesquisa de opinião pública foi realizada nas cinco regiões do país, com 385 pessoas a partir dos 18 anos, e foi conduzida por meio de questionário online. O estudo foi feito entre os dias 25 de outubro e 1º de novembro deste ano.
O objetivo do levantamento era mensurar o nível de conhecimento da população sobre antibióticos e resistência antimicrobiana — condição que ocorre quando bactérias, vírus, fungos e parasitas deixam de responder aos medicamentos, tornando as pessoas mais doentes e aumentando o risco de propagação de doenças e de morte. O estudo também buscou identificar padrões de uso de antibióticos, incluindo automedicação e adesão às prescrições médicas.
O estudo mostrou que, embora a grande maioria (92,5%) cite que os antibióticos combatem bactérias, apenas 63% entendem que esse tipo de medicamento combate apenas esse tipo de microrganismos. De acordo com o levantamento, 37% dos respondentes acreditam que ele também pode ser utilizado para combater vírus, fungos e até vermes e parasitas.
Entre os respondentes que desconhecem o uso correto, 72,2% têm um poder aquisitivo menor, estando entre as classes C, D e E. Em sua maioria, são resistentes nas regiões Sudeste (43,1%) e Nordeste (25,7%).
“A pesquisa traz um panorama de vida real de desinformação e um viés de comportamento que colocam os antibióticos como uma questão sensível. E isso pode ser atribuído a vários motivos como: uso inadequado e indiscriminado que pode levar à resistência bacteriana; a procura de vários profissionais até conseguirem obter a prescrição médica, a partir de um conceito equivocado de que o antibiótico resolve tudo”, explica Ana Gales, infectologista e coordenadora do comitê de resistência antimicrobiana da SBI.
O levantamento também aponta que 55,5% dos pacientes desconhecem em algum grau que podemos desenvolver resistência aos antibióticos. Além disso, mais de um terço dos entrevistados não se preocupa com o assunto.
Em setembro deste ano, um estudo publicado na renomada revista científica The Lancet projetou que a resistência a antibióticos pode levar a 39 milhões de mortes até 2050. A análise também mostrou que mais de um milhão de pessoas morreram devido à resistência a antibióticos em todo o mundo entre 1990 e 2021.
O uso inapropriado de antibióticos está relacionado ao aumento da resistência antimicrobiana. Os resultados do estudo da SBI alerta para o desconhecimento sobre o assunto, apesar de ele representar uma preocupação global — no ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou para altos níveis de resistência em bactérias que causam sepse, além do aumento da resistência a tratamentos de várias bactérias que causam infecções comuns entre a população.
Um estudo publicado pela The Lancet em 2016 listou os principais fatores relacionados à resistência antimicrobiana. Além do uso inadequado de antibióticos, também estão o uso excessivo desses medicamentos na agropecuária, contaminação ambiental (devido ao saneamento básico inadequado) e baixa cobertura vacinal.
Outro trabalho, publicado na mesma revista em 2024, mostrou que intervenções nesse cenário podem prevenir mais de 750 mil mortes associadas à resistência antimicrobiana em países de baixa e média renda, onde a condição é mais preocupante. Segundo o estudo:
337 mil mortes seriam evitadas com melhorias na prevenção e controle de infecções;
247.800 mortes seriam evitadas com acesso universal a serviços de água, saneamento e higiene;
181.500 mortes seriam evitadas com cobertura universal de vacinas infantis de alta prioridade.
Além dessas estratégias, combater o descarte inadequado de medicamentos, principalmente antibióticos, também pode ser útil no combate à resistência antimicrobiana. “Quando você joga o antibiótico que sobrou no lixo, você também está contaminando o solo. O certo é descartar na farmácia, que tem um local adequado para isso”, orienta Alberto Chebabo, presidente da SBI, em coletiva de imprensa na qual a CNN esteve presente.
Após os achados da pesquisa, a SBI lança a campanha Será que Precisa? Informe-se sobre o uso adequado dos antibióticos.
“A iniciativa chega com o objetivo de acompanhar de perto e reforçar as principais questões sobre prescrição e uso adequado dos antibióticos para que médicos, profissionais de saúde, pacientes e sociedade civil estejam na mesma página”, alerta Chebabo.