O número de casos e de mortes por meningite bacteriana aumentou no Rio Grande do Sul em 2023, conforme dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES). No primeiro semestre do ano passado, o Estado registrou 59 casos e 16 mortes pela doença. Neste ano, no mesmo período, foram 76 casos e 19 óbitos — o que representa um aumento de 29% nas infecções e de 19% nas mortes.
Para Leticia Martins, técnica do Núcleo de Doenças Respiratórias do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs/RS), é preciso analisar o aumento com cautela, porque houve uma queda dos casos durante os anos pandêmicos, devido a medidas coletivas para controlar a covid-19, como o isolamento social, o uso de máscaras e hábitos de higienização — a meningite também é transmitida por via respiratória. Assim, há um aumento recente, porém, o número de casos está se assemelhando ao dos anos pré-pandêmicos.
Especialistas reforçam que a principal causa desse aumento são as baixas coberturas vacinais, apesar de as proteções contra meningite integrarem o calendário básico das imunizações infantis — com exceção da meningocócica B.
"Tem caído ano após ano, inclusive nas crianças, que eram um grupo etário que nós sempre tivemos orgulho das nossas coberturas vacinais", afirma Leticia.
O problema também se estende aos adolescentes — público-alvo da vacina meningocócica ACWY. O imunizante é aplicado no início da adolescência porque, conforme estudos, juntamente aos jovens adultos, os adolescentes são os principais portadores assintomáticos desses meningococos. Assim, eles carregam a bactéria, mas não adoecem. Portanto, os jovens têm um papel fundamental na transmissibilidade da bactéria, podendo contaminar crianças, que possuem um sistema imunológico mais frágil e acabam desenvolvendo uma doença grave. Por esse motivo, a vacinação também tem sido priorizada nessa faixa etária, para diminuir a carga e, com isso, a circulação da bactéria.
Além disso, conforme o infectologista pediátrico Fabrizio Motta, coordenador do Controle de Infecção e Infectologia Pediátrica da Santa Casa de Porto Alegre, houve um aumento das doenças pneumocócicas após a pandemia — incluindo a meningite —, também devido à baixa cobertura vacinal.
O médico lista ainda outras razões para o quadro atual: há teorias de que os vírus respiratórios aumentam o risco de as crianças desenvolverem uma doença pneumocócica — hoje, há também elevação de casos de doenças virais respiratórias no Estado. Outra explicação está associada ao fato de as crianças não terem sido muito expostas a infecções durante a pandemia, fazendo com que seu sistema imunológico não saiba responder da melhor maneira.
Segundo o médico pediatra Juarez Cunha, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o que mais preocupa é que esse aumento acontece em um momento em que as crianças estão menos protegidas.
"É um momento importante para chamar a atenção da população, que tem que colocar as vacinas em dia, porque a tendência dessas doenças é que tenham um aumento, principalmente pegando a população não protegida", alerta, ressaltando que são imunizantes gratuitos, disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).
Porém, Cunha afirma que o número de casos ainda é relativamente baixo em comparação a outras doenças:
"Não é uma doença tão comum, claro que sempre impacta, porque são doenças graves e que levam um número importante a óbito e muitas ficam com sequelas. Mas se for comparar com outras doenças, são números muito inferiores. Não é tão frequente assim de acontecer. Desde que se introduziram na rede as vacinas, são pouquíssimos casos, e, em geral, acontecem em não vacinados. Tem várias vacinas que protegem".
Outros fatores também podem estar envolvidos no aumento de doenças preveníveis, como questões individuais e do agente infeccioso, lembra Leticia.
"A principal orientação é: vacinem-se para as doenças que têm vacina disponível".
A meningite é caracterizada por um processo inflamatório das meninges, membranas que revestem o cérebro e a medula espinhal. É causada, principalmente, a partir da infecção por vírus ou bactérias; contudo, outros agentes também podem causar a meningite, como fungos e parasitos. A meningite viral tende a levar a um quadro mais benigno, enquanto a bacteriana é motivo de preocupação.
"A bacteriana não é tão benigna, se não tratada prontamente, pode levar a óbito. A gente tem óbito em torno de 20% ou 30% dos pacientes que adoecem. E mesmo aqueles que sobrevivem chegam a ter sequelas, como surdez e comprometimentos neurológicos", aponta Motta.
Dentre as meningites bacterianas, há três principais agentes causadores e que são monitorados: pneumococos, meningococos e Haemophilus influenzae. Os meningococos são divididos em sorogrupos. Os que mais circulam no país são o C, o B e, em menor escala, o W, o Y e o X, segundo a técnica do Núcleo de Doenças Respiratórias do Cevs. O A não circula no Brasil, e sim em outros continentes. Os pneumococos, por sua vez, têm diversos sorotipos. Já o Haemophilus influenzae é mais raro, graças à vacinação.
Os sintomas da meningite bacteriana podem ser semelhantes aos de outras doenças infecciosas: febre, dor de cabeça, náusea, vômitos. Porém, outras manifestações poderão indicar que o quadro se trata de uma meningite, como dor ou rigidez na nuca e presença de manchas pelo corpo.
De acordo com Leticia, entre os sorogrupos dos meningococos detectados no Estado, de 2008 até 2013, a maior proporção era do meningococo B. Em 2013, houve uma inversão na frequência, e, desde então, o meningococo C tem tido maior proporção. Porém, atualmente, há um número maior de meningites por pneumococos — uma alteração em relação ao quadro pré-pandêmico, que era caracterizado por mais infecções por meningococos do que pneumococos.
Há ainda outros agentes infecciosos que causam a meningite, como a bactéria da tuberculose. Contudo, o quadro é um pouco diferente das meningites consideradas típicas.
Além do risco de morte, a meningite pode produzir surtos da doença, como o Estado já enfrentou em algumas ocasiões. A letalidade da meningococcemia (infecção generalizada), uma das formas clínicas da doença meningocócica, já chegou a quase 60% no Rio Grande do Sul em alguns anos.
"Mesmo tendo baixa incidência, ela é de letalidade importante. Em um surto, com certeza vão ter vários casos evoluindo para óbito", afirma Leticia.
As crianças, sobretudo de até cinco anos, têm risco maior para a meningite, pelo fato de seu sistema imunológico ainda estar em formação e, em alguns casos, não terem completado o calendário vacinal — os menores de dois anos enfrentam um risco ainda mais alto.
Questionado sobre a previsão de inserir a vacina meningocócica B (já disponível na rede privada) no SUS, o Ministério da Saúde (MS) não respondeu. O órgão destacou apenas que, atualmente, existem cinco vacinas que protegem contra a meningite bacteriana disponíveis no Calendário Nacional de Vacinação do SUS. Nenhuma dessas, porém, protege contra a meningocócica B.
"É importante destacar que, até o momento, o meningococo C é o principal agente causador de doença meningocócica no país, representando atualmente mais de 60% dos casos da doença", afirmou a pasta.
Vacina BCG: protege contra formas graves da tuberculose, inclusive a meningite tuberculosa - Dose única ao nascer
Vacina Penta: protege contra infecções invasivas, entre elas a meningite, causadas pelo H. influenzae do sorotipo B. Esta vacina também confere proteção contra a difteria, tétano, coqueluche e hepatite B - primeira dose aos dois meses, segunda dose aos quatro meses, e terceira dose aos seis meses; dois reforços com a vacina DTP
Vacina pneumocócica 10-valente (conjugada): protege contra as infecções invasivas, entre elas a meningite, causadas por 10 sorotipos do S. pneumoniae - primeira dose aos dois meses, segunda dose aos quatro meses; reforço: aos 12 meses
Vacina meningocócica C (conjugada): protege contra a doença meningocócica causada pela N. meningitidis sorogrupo C - primeira dose aos três meses, segunda dose aos cinco meses; reforço: aos 12 meses
Vacina meningocócica ACWY (Conjugada): protege contra a doença meningocócica causada pela N. meningitidis sorogrupo ACWY - uma dose entre os 11 e 14 anos
"Hoje a principal maneira de prevenir essas doenças é a vacinação, é manter o calendário vacinal em dia, conversar com o médico pediatra sobre o que pode se fazer além do que existe no calendário básico de vacinação", destaca o coordenador do Controle de Infecção e Infectologia Pediátrica da Santa Casa de Porto Alegre.
Fabrizio Motta acrescenta que há outras vacinas disponíveis apenas na rede particular das quais as crianças podem se beneficiar. A SBIm também preconiza a ampliação da proteção individual com imunizantes mais abrangentes.
"O ideal ainda não está na rede pública, mas em algum momento provavelmente vai acontecer", afirma o diretor da SBIm.
Além disso, Cunha frisa que, mesmo que alguma das doses esteja atrasada, a pessoa não perde a imunidade, sem necessidade de reiniciar o esquema vacinal, apenas finalizá-lo. Na rede pública, porém, há uma limitação em termos de idade, o que não ocorre na rede particular.
Vacina meningocócica B: duas doses com intervalo de dois meses, idealmente aos três e cinco meses de idade, e uma dose de reforço entre 12 e 15 meses de idade. Valor médio por dose consultado pela reportagem no dia 2 de julho: R$ 640.
Vacina pneumocócica 13-valente (conjugada): duas ou três doses, dependendo da vacina utilizada, entre os dois e seis meses, e uma dose de reforço entre 12 e 15 meses de idade. Valor médio por dose consultado pela reportagem no dia 2 de julho: R$ 270.
Vacina meningocócica ACWY (conjugada): duas doses com intervalo de dois meses, idealmente aos três e cinco meses de idade; uma dose de reforço entre 12 e 15 meses de idade; e outras dose de reforço entre cinco e seis anos. Valor médio por dose consultado pela reportagem no dia 2 de julho: R$ 340.
As meningites são doenças com tendência de transmissão principalmente no inverno, período no qual as pessoas permanecem mais em ambientes fechados. Como em qualquer doença respiratória, os especialistas recomendam evitar aglomerações e pessoas doentes, optar por ambientes com ventilação, realizar a higienização correta das mãos e colocar a vacinação em dia — especialmente crianças e adolescentes.
A orientação é sempre consultar um médico nos casos de febre e buscar atendimento imediato em qualquer sinal de alerta, como: sonolência, vômitos, dor na nuca ou manchas na pele. Caso haja casos na escola, algumas crianças podem receber indicação de utilizar antibióticos preventivamente para não desenvolver a doença.