Especialista explica em quais casos é necessário retirar a proteína da alimentação e como é sua atuação no organismo
O glúten — proteína presente em cereais como trigo, centeio e cevada — passou a ser considerado um verdadeiro vilão da boa forma e deixou de fazer parte do cardápio de famosos e de influenciadores digitais. Mas, afinal, é necessário parar de comer glúten para emagrecer? A resposta é não, segundo a nutricionista Edvânia Soares, especialista em nutrição clínica.
A dieta sem glúten é indicada a pessoas diagnosticadas com a doença celíaca, na qual existe uma intolerância do corpo à proteína; a pessoas com irritação intestinal; a quem tem falha de memória, ou transtornos psiquiátricos, como TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade) — nesses casos, uma alimentação inflamatória, rica em farinha branca, por exemplo, pode contribuir para a piora dos quadros.
Com exceção desses grupos, os demais podem consumir glúten sem que haja um verdadeiro impacto na saúde. Mas por que a ideia de cortar a proteína da alimentação parece fazer sentido para quem encara uma dieta? Uma das explicações é que ao retirar o glúten, consequentemente alimentos mais calóricos, ricos em farinhas e açúcar, deixam de fazer parte do cardápio.
“Um exemplo é o pão, que tem farinha de trigo, açúcar, sal, fermento e bicarbonato. Nesse caso, só a farinha de trigo tem glúten, mas são cinco farinhas que são inflamatórias, e ao tirar esse alimento, a pessoa está tirando também outros ingredientes inflamatórios”, destaca a nutricionista.
Além disso, Edvânia explica que o glúten, ao entrar em contato com o intestino, pode formar uma barreira que atrapalha a absorção de nutrientes. Quando pessoas sem restrições à proteína param de consumi-la, o esvaziamento gástrico intestinal passa a ocorrer de forma mais rápida.
“O que acontece é que a pessoa está ingerindo muito mais nutrientes para melhorar a absorção nutricional, e como não vai ter o fator que está impedindo a absorção, o emagrecimento é mais rápido”, destaca.
No entanto, a longo prazo, a ausência do glúten pode causar um efeito rebote no intestino dessas pessoas.
“As fibras das frutas e oleaginosas fazem uma varredura no intestino e ajudam na colonização da microbiota intestinal, para favorecer o ambiente para as bactérias se desenvolverem. Quando você tira totalmente [os alimentos com glúten], qual é a proteção do seu intestino? Então pode ocorrer um desequilíbrio do pH intestinal, levando a mais diarreia”, explica Edvânia.
Nesse sentido, a especialista ressalta que, para pessoas que não têm restrição ao glúten, excluir totalmente do cardápio os alimentos que contêm a proteína pode não ser saudável, ou mesmo viável para manter uma dieta a longo prazo e um emagrecimento sustentável.
"Os alimentos têm sinergismo nutricional, ou seja, um depende do outro para ser bem absorvido. Então para um diabético, por exemplo, ter o glúten é positivo, porque ele vai ajudar a manter o açúcar mais baixo. A tapioca, [que não tem glúten], tem o índice glicêmico maior do que o pão. Então até onde é positivo [fazer essa troca]?”, diz a nutricionista, que ressalta a importância de um acompanhamento especializado para dar início a qualquer tipo de dieta.
Como emagrecer de forma saudável?
Há algumas maneiras de iniciar hábitos mais saudáveis que podem levar à perda de peso e à melhora da qualidade de vida. Manter uma boa hidratação é o primeiro passo, segundo a nutricionista, que indica a ingestão de 35 ml de água para cada quilo corporal.
A máxima do descasque mais e desembale menos também deve ser levada em consideração. Afinal, alimentos naturais são ricos em vitaminas e antioxidantes — substância que, entre outras coisas, contribui para retardar o envelhecimento.
Manter uma boa ingestão de fibras também é importante para o adequado funcionamento do intestino. Então, vale apostar em alimentos como aveia, chia e linhaça.
“A fibra tem magnésio, que é um controlador de humor e vai fazer com que a pessoa fique menos ansiosa. Às vezes a ansiedade pode levar a uma fome emocional, à compulsão que vem acompanhada da sensação de culpa, que aumenta ainda mais a ansiedade e fica nesse ciclo vicioso”, explica a nutricionista.
Praticar atividade física de forma regular não só colabora para a perda de peso, como melhora a qualidade do sono, que também é importante no processo de emagrecimento. Além disso, manter uma rotina alimentar organizada, com o preparo prévio dos alimentos, contribui para evitar os deslizes na dieta.
“Separar o domingo para organizar o mercado inteiro da semana, ou preparar as refeições antes de sair de casa, a chance de comer algo que não está na dieta é mínima, então a pessoa vai terminar o dia com aquela sensação de missão cumprida, que se alimentou bem, e isso vai dando resultados a longo prazo, virando um hábito”, destaca Edvânia.
Faço exercícios e não emagreço. O que está acontecendo?
O processo de emagrecimento não é fácil, muito menos rápido. A máxima "coma menos e faça exercícios físicos que resolve" é a teoria mais comum. Na prática, porém, essa combinação não é tão simples assim.
Ouvimos especialistas que explicam os motivos que levam a pessoa ao emagrecimento e à melhora na condição de saúde
A nutricionista esportiva Sueli Longo, integrante da SBAN (Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição), explica que a noção de emagrecimento muitas vezes não é a mais correta.
"As pessoas não falam em gastar mais energia, as pessoas falam em comer menos. Não é isso. É importante que a pessoa tenha uma quantidade de energia para manter o corpo funcionando adequadamente, e ela tem de promover um gasto de energia pelo exercício físico, de forma a estabelecer essa diferença".
É importante lembrar que alimentação correta não é a mesma coisa que restringir uma grande quantidade de alimentos, sem recomendação profissional.
"As dietas muito restritivas, como por exemplo a low carb [poucos carboidratos], podem servir como estratégias, com data de início e de fim, assim não comprometem o metabolismo. Quem faz essas dietas sem orientação pode desenvolver problemas que mexem com o metabolismo. A pessoa não come quase nada, mas não vai emagrecer. Aumenta a frustração", diz a nutricionista Silene Martinez
Quando a pessoa segue uma alimentação que lhe dá a energia suficiente para que ela mantenha as atividades do dia a dia, faz atividades físicas e não emagrece, alguns pontos devem ser levados em consideração.
"Só o peso da balança é um parâmetro muito ruim. Exemplo: uma pessoa que pesa 70 quilos e tem 25% de gordura e 50% para os outros tecidos que não são gordura; passado um tempo, com exercícios e alimentação correta, ela mantém os 70 quilos, mas agora com 10% de gordura corporal e 60% de outros tecidos. Isso significa que a pessoa tem uma condição de saúde muito melhor. É importante olhar a composição do peso corporal para verificar se os compartimentos desse peso estão sendo modificados com perda de gordura e ganho de massa muscular", orienta Sueli
Outro fator que pode dificultar a perda de peso é o "efeito sanfona", quando a pessoa emagrece e engorda frequentemente.
"Quantas vezes a pessoa perdeu e ganhou peso em modelos alimentares que ela pode ter seguido, principalmente se foram modelos muito restritivos. Então quando ela retoma o processo em um novo tratamento, é como se o corpo tivesse marcadores, vamos dizer assim, ele põe dificuldade para obter novos resultados", afirma Sueli Longo.
Para evitar as idas e vindas dos números da balança e manter a saúde, a ideia é que haja empenho em mudar o estilo de vida.
"Modificar o estilo de vida é para o resto da vida. A pessoas acham: 'Mudo nos próximos seis meses, resolvo o problema e depois estou liberado'. Mas não é nada disso. A pessoa vai ter de incorporar um estilo saudável de viver, fazendo escolhas alimentares saudáveis e engajando-se em um processo de atividade física diária", alerta Sueli.
A falta de engajamento nesse processo de mudança também é apontada como uma das causas que dificultam a chegada ao corpo desejado.
"A pessoa não faz as atividades na velocidade com que ela gostaria. Temos que pensar algumas coisas importantes, como qual é a porcentagem de adesão ao processo de emagrecimento. Por exemplo, a pessoa segue corretamente o plano de segunda a sexta, mas nos fins de semana não adota o mesmo tipo de reeducação alimentar. Fica sempre patinando no mesmo lugar. O processo da reeducação alimentar é de hoje para o futuro", ensina a nutricionista esportiva.
Silene Martinez concorda e acrescenta: "Os abusos nos fins de semana acabam compensando o esforço nos dias de semana. No fim das contas não dá um déficit. No processo de emagrecimento não pode haver compensação, pois isso atrapalha toda a dieta. O processo é diário. É possível fazer substituições, mas de alimentos equivalentes".
Em alguns casos, a nutricionista não indica nem algumas refeições mais livres, para que a pessoa mantenha o foco e o equilíbrio. "Para muitas pessoas isso não funciona, como os pacientes ansiosos ou que sofrem de compulsão, porque a pessoa acaba comendo muito e nem percebe", afirma Silene.
Entre as muitas teorias sobre o emagrecimento associado às atividades físicas, sempre aparece a dúvida: é melhor comer antes ou depois de fazer o exercício? A realidade é que não existe uma orientação fixa, a rotina varia de acordo com o corpo de cada pessoa.
"O planejamento alimentar tem de ser contextualizado dentro da rotina de cada um, de forma que quando a pessoa praticar atividade física ela tenha um estoque de energia suficiente para que o organismo não precise usar a energia da massa muscular, porque isso é contraproducente. Não é todo mundo que precisa comer alguma coisa para treinar", ressalta Sueli.
Ela alerta ainda: "O pós-treino de hoje é o pré-treino de amanhã. A dieta tem que ser pensada nas 24 horas do dia, sob o ponto de vista da oferta de nutrientes que são importantes para fazer o exercício físico. Não dá para supervalorizar o antes e o depois da atividade. As 24 horas são importantes".
A falta de sono e de uma noite bem-dormida também atrapalha o processo de emagrecimento. É importante dormir bem.
"A pessoa estressada e sem sono tem aumento do cortisol. Atualmente, as pessoas vivem cada vez mais agitadas e com muitos momentos de estresse, o que causa o aumento constante do cortisol e gera um aumento da insulina, que é um hormônio anabólico, para engordar, e a pessoas acabem desenvolvendo uma resistência à insulina e diabetes", explica Silene.
Para controlar o cortisol e auxiliar o sono a nutricionista recomenda a meditação e o mindfulness, a prática de se concentrar apenas no presente, sem ficar o tempo todo pensando no passado ou ansioso com o futuro. "A meditação ajuda muito a baixar os níveis de cortisol, pois a agitação que vivemos nos leva a não prestar atenção no que estamos fazendo e a viver no automático. Existe também o mindfulness na alimentação. É importante comer em um lugar tranquilo, sem celular, sem televisão. Prestar atenção na mastigação, olhar para a comida. Tudo isso interfere no emagrecimento, na sensação de fome e saciedade", salienta Silene Martinez.
A pessoa precisa entender que esse é um processo que exige paciência. "A perda de peso muito rápida não dá tempo ao corpo de se acostumar com o novo processo de modificar a composição corporal. O que é saudável? A perda de peso gradual, a redução da quantidade de gordura corporal, o aumento da massa muscular. O ganho de massa muscular faz com que o metabolismo volte ao padrão normal, o que ajuda a manter o peso perdido. O processo é lento, mas lá na frente há a dificuldade de voltar ao peso anterior, principalmente se houve a mudança no estilo de vida", finaliza Sueli Longo.