Saber se preservar e investir na escuta do próximo podem ser boas práticas para deixar o Natal mais harmonioso
Natal é tempo de reflexão, renovação e celebração. E das – às vezes inevitáveis – confraternizações familiares. Não é nada incomum que essas reuniões sejam marcadas por algum encontro desconfortável entre parentes que não se relacionam ao longo do ano.
É o momento perfeito para encontrar o "tio do pavê", sempre pronto para soltar uma piada sem graça ou um comentário inconveniente; a "tia negacionista", que ainda acredita que a terra é plana; ou, ainda, o "primo perfeito", que passou em primeiro lugar na faculdade e vira referência para cobranças exageradas.
Mas é possível ter um Natal mais harmonioso e evitar as situações incômodas desse período?
Conversamos com alguns especialistas que explicam como tentar fazer dessa data uma noite realmente feliz.
Por ser um símbolo de renascimento, o Natal muitas vezes estimula nas pessoas a vontade de congregar e promover reencontros.
Irene Gaeta, psicóloga e membro da Associação Internacional de Psicologia Analítica (IAAP), afirma que esses momentos tendem a despertar nas pessoas uma tolerância maior para lidar com determinadas circunstâncias.
"Muitas vezes as pessoas não se relacionam, mas nessas datas há uma disposição maior em lidar com situações que normalmente seriam incômodas e evitadas", comenta Irene Gaeta.
Nesse contexto, elas acabam se relacionando com parentes que não têm muito contato, por exemplo, e que podem ser figuras um pouco difíceis de lidar.
Belinda Mandelbaum, psicanalista e professora do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da USP, defende que é importante desconstruir a ideia de arquétipos.
"Cada vez mais temos que procurar romper com esses perfis, desconstruir essas visões. Cada ser humano é complexo, feito de muitas dimensões", analisa Belinda.
Gaeta explica que, mesmo no caso de pessoas que se revelam inconvenientes, como o tio do pavê, há uma justificativa que precisa ser levada em consideração para aquele comportamento.
"Em geral são pessoas que se sentem excluídas, isoladas, e que estão em certo sofrimento. Por consequência, acabam provocando um certo sofrimento no outro, na medida que são invasivas ou que querem impor seu pensamento", reflete.
Para lidar com esse tipo de situação, Belinda destaca que a escuta pode ser um aliado fundamental. "A gente deve criar um espaço na família para que o outro possa se sentir ouvido, compreendido. Abertura é muito importante nesse processo", ressalta.
Além disso, recomendação de ambas é apostar em sentimentos próprios ao espírito de Natal: tolerância e generosidade.
Às vezes, independentemente do parente que fará parte da festa, os encontros podem ser incômodos pela própria forma das pessoas de lidarem com situações sociais.
Segundo o médico psiquiatra Arthur Danila, enquanto as pessoas de padrões mais extrovertidos ganham energia com as interações sociais, os introvertidos têm sua energia drenada nesses momentos.
Danila, que coordena o Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, pontua que, para os introvertidos, essas situações podem ser ainda mais desafiadoras. "Sendo uma pessoa bem-sucedida ou não, a questão é a forma como ela se comporta nos ambientes sociais", analisa.
O psiquiatra ressalta que é importante saber se respeitar, entendendo quais encontros devem ser priorizados.
"Para a pessoa que se sente muito desconfortável em ir a essas confraternizações, talvez seja bom selecionar melhor os eventos, priorizar as situações que são menos incômodas", recomenda Arthur Danila.
Apesar dessa ponderação ser benéfica, ele ainda lembra que a retração social por completo não é indicada. É essencial, de alguma forma, investir em encontros sociais, ainda que de maneira mais selecionada.
Para aqueles que precisam lidar com situações incômodas nessa época do ano, os especialistas fazem algumas recomendações que podem tornar os encontros mais tranquilos:
1. Evite assuntos polêmicos
Discussões sobre temas que dão margem para muitas opiniões conflitantes podem contribuir para um clima não tão amistoso no Natal. E nesses encontros, são algo que pode ser evitado.
Arthur Danila aconselha que até um combinado prévio ao evento pode ser uma boa alternativa. Assim, já se estabelece um acordo para não se tocar em assuntos polêmicos, como política e guerra, algo que pode contribuir para a boa convivência.
É importante lembrar que nem todos estão abertos a mudar de opinião, especialmente em momentos de celebração e confraternização.
2. Se preserve
A convenção social muitas vezes faz com que haja certa obrigação de ir a eventos sociais nessa época do ano, em especial por conta de muitas tradições familiares.
Mas nada pode superar a necessidade de autocuidado e de autopreservação. "É preciso saber que você pode sim se resguardar e não comparecer. Não se pode se deixar de lado nesses momentos", aconselha Danila.
É importante entender o quanto a interação social e até familiar potencialmente podem ser prejudiciais em termos de saúde mental. E saber se preservar caso sejam encontros que vão trazer muito desconforto.
3. Tenha autocompaixão
O período de passagem de ano é uma época sensível, que exige reflexão e um olhar mais para dentro de si.
Os especialistas lembram que, nesses momentos, os sentimentos podem ficar mais aguçados e é preciso ter compaixão com os outros, mas também consigo mesmo.
Irene Gaeta afirma que o processo de autorreflexão e autoaceitação é fundamental para conseguir olhar o outro com mais generosidade e também aceitar seus erros e defeitos.
Ambos lembram que todas as famílias têm problemas e que é ilusão acreditar que seriam perfeitas como nos comerciais de margarina. É preciso ter que em mente que cada um faz o que consegue para manter um espírito harmonioso.
"Precisamos levar isso não como uma coisa destrutiva, mas como uma oportunidade de refletir sobre o ano que passou com gentileza", conclui Arthur Danila.