Especialistas alertam que algumas substâncias não têm finalidade, são os chamados aditivos 'cosméticos', que visam apenas realçar sabor, cheiro ou cor, por exemplo
Você já parou para ler os rótulos dos alimentos que consome? Se olhar atentamente, é bem capaz que encontre algum aditivo alimentar nesses produtos, principalmente se eles forem ultraprocessados.
Os aditivos alimentares são substâncias adicionadas pela indústria durante o processamento para melhorar a qualidade, realçar sabor, aparência, textura, manter a cor ou prolongar sua vida útil. Na lista estão, por exemplo, os conservantes, adoçantes, corantes, aromatizantes e espessantes.
Já os alimentos ultraprocessados são aqueles que passam por um processo industrial maior e são transformados quimicamente, como produtos em conserva, enlatados, frios e embutidos.
Mas como identificar um aditivo? Cristiane Moulin de Moraes Zenobio, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), dá uma sugestão: se você viu um nome diferente no rótulo, que não tem na natureza, então você pode deduzir que é um aditivo alimentar.
"Quer um exemplo? A tartrazina (corante alimentar). Você já viu um pé de tartrazina?", diz a endocrinologista.
Atualmente, há 24 funções tecnológicas aprovadas para aditivos alimentares no Brasil e 406 aditivos permitidos, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Eles estão indicados no final da lista de ingredientes, seja pelo nome completo ou o número cadastrado no Sistema Internacional de Numeração do Codex Alimentarius (INS). (Veja a lista completa da Anvisa aqui).
E atenção: não é possível definir um limite "seguro" de consumo de aditivos. (Veja mais abaixo)
Os aditivos são ingredientes adicionados intencionalmente aos alimentos, sem propósito de nutrir. Eles modificam as características físicas, químicas, biológicas ou sensoriais do produto, durante sua fabricação, processamento, preparação, tratamento, embalagem, acondicionamento, armazenagem, transporte ou manipulação.
Eles podem apresentar diversas funções. Conservante e antioxidante, por exemplo, desenvolvem papéis importantes na preservação dos alimentos. O problema ocorre quando os aditivos não têm nenhuma funcionalidade.
Apelidados de "aditivos cosméticos" por uma parte dos profissionais da área, esses aditivos têm como função tornar os produtos finais mais atrativos e palatáveis. Entre eles estão: corante, aromatizante, emulsificante, realçador de sabor e adoçante.
Veja, abaixo, alguns aditivos conservadores (importantes para preservar o alimento) e transformadores (conhecidos como cosméticos).
Conservadores
Antioxidante - retarda a oxidação do alimento (exemplos: vitamina E, BHA e BHT)
Conservante - impede ou retarda a alteração dos alimentos provocada por microrganismos (exemplos: benzoato de sódio e ácido sórbico)
Regulador de acidez/acidulante - altera ou controla a acidez ou alcalinidade dos alimentos (exemplos: carbonato de cálcio, lactato de sódio e ácido cítrico)
Glaceante - substância aplicada na superfície externa para dar aparência brilhante ou revestimento protetor (exemplos: lanolina, goma laca e cera de abelha)
Antiumectante - reduz a capacidade de absorção de umidade do ambiente (exemplos: carbonato de magnésio e dióxido de silício)
Umectante - protege os alimentos da perda de umidade para o ambiente (exemplos: sorbitol, propileno glicol e glicerol)
Transformadores
Agente de massa - proporciona o aumento de volume e/ou da massa dos alimentos (exemplos: polidextrose, maltodextrina e carboximetilcelulose)
Corante - confere, intensifica ou restaura a cor de um alimento (exemplos: cúrcuma, amarelo tartrazina)
Adoçante - substância que, assim como os açúcares, confere sabor doce aos alimentos (exemplos: ciclamato de sódio, aspartame, sacarina)
Espessante - aumenta a viscosidade de um alimento (exemplos: goma carragena e gelatina)
Estabilizante - mantém a uniformidade de duas ou mais substâncias que não se misturam em um alimento (exemplos: cloreto de potássio, melhorador de farinha e goma xantana)
Aromatizante/flavorizante - confere ou realça aroma e/ou o sabor dos alimentos (exemplos: acetato de octila e aldeído cinâmico)
Realçador de sabor - ressalta ou realça o sabor/aroma de um alimento (exemplos: glutamato monossódico, glutamato de potássio, ácido inosínico)
Emulsificante - ajuda na mistura de duas substâncias que, em outras situações, não se misturam (exemplos: gomas, lecitina, propilenoglicol)
"Pegando o whey protein como exemplo, se tomar sem sabor nenhum, um rótulo clean, ele não é gostoso. O que a indústria faz? Para tornar as misturas de derivados de alimentos atrativas e saborosas, eles colocam aditivos alimentares", exemplifica a nutricionista Vanessa Montera, que teve como tema da tese de doutorado os aditivos alimentares — o trabalho foi publicado no periódico Food and Function, da Sociedade Real de Química, do Reino Unido.
Outro exemplo dado pela nutricionista é a bebida láctea sabor morango.
"Ela não tem morango, mas tem o aromatizante que dá o cheiro, o sabor. Para ter a cor, a indústria coloca o corante. Daí que vem o termo cosmético. Eles usam uma maquiagem para deixar o produto mais atrativo, mais saboroso, com uma cor bonita. E isso não tem sentido", diz Vanessa Pereira Montera, mestre em Ciências Cardiovasculares e doutora em Alimentação, Nutrição e Saúde
No levantamento, Vanessa descobriu que quase 80% dos mais de 9,8 mil produtos analisados tinham ao menos um aditivo.
Seis grupos representaram mais de 50% dos itens avaliados no estudo: doces e sobremesas, carnes processadas, alimentos de conveniência, molhos e temperos, biscoitos e queijos.
24,8% dos produtos continham seis ou mais aditivos. Para a nutricionista, os alimentos são coquetéis de aditivos. Ela recorda que um produto de panificação tinha 35 aditivos alimentares.
Os produtos com mais aditivos foram as bebidas de fruta saborizadas, refrigerantes, outras bebidas (à base de soja, chás prontos, leite de coco), produtos lácteos adoçados e não adoçados, néctares, doces e sobremesas.
Entre os cinco aditivos mais usados, quatro eram do tipo cosmético (aromatizantes, corantes, estabilizantes e emulsificantes). As exceções foram os conservadores, que fazem com que os alimentos durem mais tempo.
Não é possível definir um limite "seguro" de consumo de aditivos. A Anvisa é a responsável por regulamentar e liberar o uso (e quantidade) de cada aditivo nos alimentos. O problema é que a segurança para o consumo é testada no aditivo isoladamente — e a quantidade adicionada ao alimento não precisa ser indicada no rótulo.
A nutricionista ressalta que a falta de obrigatoriedade sobre a quantidade de aditivo no rótulo é um problema. "Como consumimos vários produtos ultraprocessados, estamos expostos a mais aditivos".
"Não temos um estudo do mix dos aditivos em diferentes alimentos. Ele é testado em uma condição determinada. Quando consumimos um alimento com muitos aditivos, não sabemos qual é esse efeito somatório. E esse risco é ainda maior para as crianças, que podem atingir facilmente esse 'limite permitido", afirma Cristiane Moulin, endocrinologista
Vanessa Montera concorda e lembra que até fórmulas infantis possuem aditivos. "A forma com que consumimos os aditivos não é a forma como eles são liberados. A gente consome um coquetel de aditivos. Hoje temos as crianças muito expostas, com o consumo começando na fase do recém-nascido. Como garantir segurança?".
As especialistas relatam que existem estudos que apontam os malefícios dos aditivos, como reações alérgicas aos corantes.
"Temos estudos que associam um consumo dos aditivos com alteração de microbiota intestinal, com inflamação da mucosa intestinal, com doenças cardiovasculares. Hoje, temos muitas evidências trazendo informação de que esses aditivos talvez não sejam tão bonzinhos quanto a gente pensava", completa Montera.
A endocrinologista da SBEM levanta uma outra questão: a obesidade, principalmente a infantil. Sabemos que ultraprocessados podem levar ao aumento de peso. Além disso, os aditivos podem realçar sabores de determinados produtos, tornando alimentos que não eram palatáveis em mais atrativos. O resultado? A pessoa come mais, com menos qualidade.
O ideal seria abolir os ultraprocessados da nossa alimentação, mas isso é praticamente impossível. Nessa conta, entram fatores como a falta de tempo para preparar "comida de verdade" e falta de dinheiro para investir em produtos in natura.
Uma dica das especialistas é simples: ler o rótulo do alimento e comparar com os similares (se bem que às vezes pode ser difícil, já que as letrinhas costumam ser bem pequenas). Também existem aplicativos que podem ajudar nessa busca por alimentos com menos aditivos, como o Desrotulando.
"Precisamos descascar mais e desembalar menos", destaca Cristiane Moulin de Moraes Zenobio, endocrinologista da SBEM
No ano passado, a Anvisa determinou que os alimentos precisam ter uma identificação na frente da embalagem (a rotulagem frontal) sinalizando alto teor de açúcar, gordura saturada e sódio que, em excesso, podem fazer mal à saúde.