Em maio do ano passado, a OMS declarou o fim da emergência pública relacionada à doença, mas infectologistas defendem que ainda é preciso ter cautela
Há cerca de cinco anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, na China. Na época, começava o que se tornaria, posteriormente, a pandemia de Covid-19, matando quase 7 milhões de pessoas e afetando cerca de 700 milhões em todo o mundo.
Em maio do ano passado, a OMS declarou o fim da emergência pública relacionada à doença, mas será que ela se tornou, de fato, menos perigosa? Do ponto de vista de Eliana Bicudo, infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a Covid-19 ainda deve ser uma preocupação da população e de saúde pública.
"A visão de que a Covid-19 é menos perigosa agora é equivocada. Nós ainda temos um número de óbitos elevado, essa é a síndrome respiratória que mais leva ao óbito no Brasil, e isso tem relação com a baixa cobertura vacinal", alerta a especialista.
"Se você não tem uma cobertura vacinal importante de todas as pessoas, o vírus circula facilmente entre nós, e a sua capacidade mutagênica [de sofrer mutações genéticas] é tão elevada que ele vai continuar causando doença porque as pessoas não estão imunizadas corretamente", completa.
Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em fevereiro deste ano, mostrou que a cobertura vacinal contra a Covid-19 cai conforme aumenta o número de doses e em alguns públicos específicos.
De acordo com o Instituto, quase 94% da população acima de cinco anos tinha tomado, pelo menos, uma dose de vacina contra o coronavírus. Já o esquema básico de duas doses, foi tomado por 88,2% da população nessa faixa etária e por menos de 72% das crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos.
A pesquisa também identificou que quase 30% das pessoas que não completaram o esquema recomendado para o seu grupo alegaram esquecimento ou falta de tempo. Além disso, mais de 25% afirmou que não confia na vacina ou não acha necessário tomar o imunizante.
Dados divulgados pelo Ministério da Saúde em outubro deste ano apontam que quase 80% da população não completou o esquema de vacinação bivalente contra Covid-19.
"Nós podemos explicar a baixa cobertura vacinal pelo fato de que a vacina para Covid-19 ainda é rodeada de fake news. Existe todo um mito em cima dessa vacina especificamente. Além disso, não está tão difundido entre as pessoas que já tomaram a vacina quando elas devem repetir [a dose] e por que é importante repetir, como acontece com a vacina da gripe, por exemplo", completa Bicudo.
É importante ressaltar que a vacina contra Covid-19 diminui o risco de infecções graves e, consequentemente, de óbitos pela doença. No entanto, a população mais vulnerável, como idosos e gestantes, ainda são suscetíveis a quadros mais intensos da infecção, conforme aponta Moacyr Silva, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein.
"Não podemos menosprezar ou achar que a Covid-19 não pode ser uma infecção grave. Na verdade, essas pessoas que têm fatores de risco para a evolução desfavorável devem ser tratadas, e já há tratamentos no mercado, como o Paxlovid, para esse tipo de infecção", afirma o especialista.
"Então, pessoas que são muito idosas ou que tenham imunidade diminuída devem começar o tratamento de forma precoce, para evitar com que tenha um desfecho desfavorável", orienta.
Atualmente, segundo Bicudo, a variante da Covid-19 de preocupação, ou seja, aquela que está causando o maior número de infecções, é a JN.1. No entanto, nos países do hemisfério norte, a variante XEC é a mais preocupante.
"Aqui, nós ainda identificamos poucos casos dessa variante, mas temos que nos preparar porque agora, com as festas de Natal e de Ano-Novo, vão aumentar os casos lá e, as pessoas daqui vão viajar para lá e poderão trazer essa variante para cá", analisa a infectologista.
A especialista explica que, enquanto toda a população não estiver totalmente vacinada contra a Covid-19, novas variantes do vírus vão surgir. "O vírus da Covid-19 tem um RNA mensageiro que é altamente mutante. Então, a capacidade dele de se manter com a mesma linhagem genética é baixa", explica Bicudo.
Isso significa que, diante de pressões externas, como um sistema imunológico preparado para combater uma variante do vírus [como o sistema imune de alguém vacinado ou que já teve a infecção anteriormente], o vírus vai sofrer mutações para permanecer vivo. É dessa forma que surge uma nova variante, de acordo com a infectologista.
"Uma variante começa a perder força quando ela encontra uma pessoa com sistema imune resistente. Diante disso, o vírus sofre uma pressão seletiva ambiental para desaparecer, mas ele quer continuar vivo. Então, ele passa a sofrer mutações dentro do próprio organismo infectado, enquanto luta para vencer os anticorpos", explica. "A forma de interromper esse processo é através de vacinas atualizadas e novas campanhas de vacinação", finaliza.
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