A dor crônica faz parte da realidade de quase 37% dos brasileiros acima dos 50 anos, de acordo com dados do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos (ELSI-Brasil), financiado pelo Ministério da Saúde, de 2023. A condição é mais frequente entre as mulheres, pessoas de baixa renda e aqueles com diagnóstico para artrite, sintomas depressivos e com histórico de quedas e hospitalizações.
Para falar sobre o assunto, convidamos o neurologista André Macedo, do Hospital das Clínicas de São Paulo, e a reumatologista Ana Luisa Calich, do Hospital Sírio-Libanês.
Os médicos explicam como diferenciar um caso de dor crônica de uma dor comum. "Na dor crônica, por definição, o paciente tem mais de três meses de sintoma. É uma dor que mesmo sem uma lesão, ela persiste e vai incomodando. E com essa cronificação, muitos sintomas vêm associados. Então, o paciente começa a ter transtornos do humor, depressão, ansiedade", explica Calich.
Cerca de um terço dos pacientes com dor crônica fazem uso de opioides para combater a condição, segundo o ELSI-Brasil. "Tem estudos, tanto no Brasil como em outros países, que mostram que varia de 20% a 40% da população convivendo com dor crônica. E esse número vai aumentando com a idade. Um paciente idoso pode chegar a 70% dos indivíduos", afirma Macedo.
Segundo os especialistas, os tipos mais comuns de dor crônica atingem a parte inferior do corpo, como artrose de quadril e de joelho, e a lombar.
"Também merecem destaque a dor de cabeça, como, por exemplo, enxaqueca; dor de abdômen, especialmente nas mulheres em idade fértil no período menstrual; e a dor neuropática. Tem se falado muito também do herpes zoster, que é uma infecção viral que acomete o nervo e depois pode deixar uma dor crônica persistente", enumera Calich.
Macedo explica, porém, que as dores de cabeça e na lombar são as mais incapacitantes. "Talvez sejam as que tenham maior impacto em perda de produtividade laboral. Tem dados americanos que falam que o custo anual de dor chega a 500 bilhões de dólares, por perda de produtividade e os gastos relacionados ao trabalho".
No Brasil, segundo ele, há dados que mostram que um paciente com dor crônica pode custar por ano mais de R$ 100 mil por perdas de trabalho e por gastos com tratamentos.
A fibromialgia também é um problema frequente, principalmente em mulheres. "Estima-se que a cada dez pessoas, sete a nove são mulheres com fibromialgia, e 2% da população tem. Ela é o 'protótipo' da dor crônica. Não é localizada, é uma dor mais muscular, mas pode acometer articulação também e em vários pontos do corpo", explica Calich.
Ela explica que a fibromialgia também vem associada a outros fatores como transtornos de humor (ansiedade e depressão), distúrbios do sono, fadiga e memória alterada.
"Tem gente que acha que fibromialgia é uma doença de músculo e até, erroneamente, pede biópsia de músculo, exames de músculo, para diagnosticar", alerta Macedo. "A fibromialgia é uma desregulação central da dor. O problema é em conexão cerebral, a forma como o cérebro interpreta a dor".
O neurologista explica que essa característica dificulta ainda mais o diagnóstico da doença. "O paciente com fibromialgia é desacreditado da dor, porque todos os exames estão normais. E isso é comum em outros tipos de dor, que a gente chamava anteriormente de 'dores funcionais'. São dores que têm alguma conexão cerebral alterada, como síndrome do intestino irritável com dor abdominal crônica, dor pélvica crônica, a própria enxaqueca que não tem diagnóstico por exame. São dores em que os neurônios estão com sinapses inadequadas", explica Macedo.
Os especialistas esclarecem que o diagnóstico da dor crônica é clínico, ou seja, através da análise dos sintomas relatados pelos pacientes.
Já o tratamento é feito de forma multidisciplinar. "Você precisa de várias especialidades médicas, mas também das especialidades não médicas, e que são tão importantes, ou mais importantes até, para o tratamento da dor crônica. Então, uma fisioterapia, uma orientação para a prática de atividade física, às vezes um dentista, uma psicoterapia", diz Calich.
Além disso, a reumatologista acrescenta que a mudança de estilo de vida é fundamental para tratar a dor crônica. Macedo concorda. "Tratar dor não é um interruptor, que você liga ou desliga. É um processo. A nossa sociedade é muito apegada ao remédio e, na dor, você tem outras terapias que ganham até mais potência para tratar, como a psicoterapia e a atividade física".
No entanto, ambos ressaltam que é preciso tomar alguns cuidados ao se exercitar, buscando orientação profissional para avaliar as melhores opções para cada caso e para evitar lesões durante a prática.