O grupo hospitalar brasileiro Samel apresentou, na semana passada, um estudo que defende que a proxalutamida ajuda na redução do tempo de internação e do número de mortes causadas pela Covid-19. Os cientistas queriam observar se o medicamento impede a entrada do vírus nas células e diminui a replicação viral. Por enquanto, a pesquisa não foi publicada em revista científica.
A proxalutamida não é autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento da Covid-19. Seu uso é ligado ao tratamento de certos tipos de cânceres - em especial, o de próstata e o de mama, graças à relação do medicamento com a testosterona. Atualmente, a medicação está sob investigação e não é comercializada no Brasil.
As informações apresentadas pelo Grupo Samel vêm de uma pesquisa própria, que teve o apoio da Applied Biology, uma empresa da Califórnia (EUA). O site oficial da companhia informa que ela atua no tratamento de problemas dermatológicos (relacionados ao cuidado da pele e, dependendo do caso, dos cabelos).
Na página da empresa, um comunicado fala da parceria com o Grupo Samel. A nota não menciona a proxalutamida diretamente, mas comenta o uso de antiandrogênio em pacientes hospitalizados. Antiandrogênio é uma das características da proxalutamida.
Segundo especialistas ouvidos pelo Uol, a ideia tem como base a porta de entrada da Covid-19. "Para infectar uma pessoa, o novo coronavírus entra nas células por um marcador chamado ECA-2. Quem tem mais testosterona, tem mais desse receptor", diz o infectologista Alexandre Naime, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Já o dermatologista Carlos Waimber, um dos autores do estudo e professor na Universidade de Brown, nos EUA, afirma que a proxalutamida pode influenciar o mecanismo de ação da TMPRSS2, uma enzima que destrói proteínas. "Ao inativar essa enzima, a droga ‘corta’ as espículas do vírus, que é o que permite que ele entre nas células", disse.
Como o estudo foi feito
Participaram do estudo 590 pacientes hospitalizados por Covid-19 com idade acima de 18 anos. Todos eles precisaram, obrigatoriamente, de oxigênio — de preferência em alto fluxo — e tiveram, pelo menos, 25% a 50% dos pulmões acometidos (exceto em centros menores). Os doentes apresentavam saturação de oxigênio menor que 90% em ar ambiente, mas não tinham disfunções importantes no fígado e nos rins.
Nos 235 participantes que receberam a proxalutamida nos primeiros dias de internação, houve redução de 70% no tempo de hospitalização, bem como queda de 50% no volume de óbitos e outros 70% de diminuição na necessidade de intubação. Os demais pacientes receberam placebo e, entre eles, a taxa de mortalidade foi de 47,6% (141 mortes). Para os doentes que receberam a droga, esse índice foi de 3,7% (12 mortes).
Revisão por pares
A pesquisa ainda não foi revisada por pares nem publicada em periódico científico. Na revisão por pares, o estudo é reproduzido por outros cientistas, em âmbitos maiores e com parâmetros diferenciados, mas que possam levar ao mesmo resultado.
Só depois disso, a comunidade médica pode confirmar os dados obtidos. Foram revisões por pares que comprovaram, por exemplo, que medicamentos como cloroquina, ivermectina e azitromicina não trazem benefício ao tratamento da Covid-19 e que, em alguns casos, a dosagem errada pode levar o paciente a óbito.
O Grupo Samel não informa também qual foi o "tratamento base" dos doentes, ou seja, se eles receberam outros medicamentos, como foi o uso do oxigênio ou se houve outras intervenções. "Sem saber o que os participantes de cada grupo receberam nos 12 hospitais diferentes, é impossível analisar se o efeito de fato foi pelo uso da proxalutamida", diz Naime.
De acordo com Waimber, o artigo que detalha o estudo ainda está sendo redigido. O Grupo Samel planeja enviá-lo para ser revisado pela equipe do New England Journal of Medicine.